Espinhos

“Tens que ir buscar os meus livros!”
“Tens que ir tratar do meu passe.”
“Tens que ir à secretaria pedir a declaração de matrícula.”
“Tens que me ir levar à escola. Está frio, está a chover, está calor…”
“Tens que…” é assim que a pequenada atira e chuta para canto (que somos nós), sempre lhe que dá jeito ou não lhes apetece, cenas e coisas da sua responsabilidades e/ou do seu interesse.


A minha resposta ao “Tens que…” da pequenada é invariavelmente impiedosa e do género “Põe os pés ao caminho e trata da TUA vida, o interesse é teu.”.
Regra geral, não mexo uma palha nesse sentido, a não ser que verdadeiramente se justifique.
Excelentíssimo Esposo alinha mais com estes seus caprichos e eles, macacos como são, cobram-lhe precisamente isso, o que me deixa piursa!
“Tu não digas nada, eu estou a falar com o pai. Não vais à escola todos os dias? Não vês aquelas espécies que por lá andam? E ainda vens para aqui ralhar comigo?” disse-me pimpolha mais velha na sua tentativa mais recente de “ludibriar” Excelentíssimo Esposo.
“É exatamente por saber, mas não só, que a resposta é NÃO! A minha e a do pai!” respondi sem hesitações.
“Eh pá… não tens que ir para a escola?! Vai-te embora, isto é sempre melhor quando tu não estás em casa!” rematou pimpolha mais velha entrando no seu modo extremamente desagradável, ativado sempre que a coisa não funciona como ela quer.
“É, não é? Aguenta-te, é a vida e eu não vou a lado nenhum!” respondi calmamente.
“MORRE!” acrescenta pimpolha mais velha, como está na moda nos tik tok da vida e entre os jovens, expressão que os três aplicam sempre que a coisa destrambelha.
“É o que nos espera a todos, se for hoje ou amanhã que não te pese na consciência, mas tenho esperança de, quando isso acontecer, já não te fazer TANTA falta!” colmatei.
“ODEIO-TE!” diz-me pimpolha mais velha cheia de raiva.
“Também gosto muito de ti, por mim e por ti!” digo-lhe.
“GRRRRRR… tu só me estragas a vida!” acrescenta a moça.
“A vida, não! Os planos, os teus planos! São coisas diferentes, bem diferente, não te baralhes!” disse.
“Não se consegue conversar contigo! Tu és impossível!” conclui pimpolha mais velha.
“Sim, sim. Já me disseste… várias vezes!” observei.
“Vês? Vês, com tu és? E logo para a tua primogénita, a tua filha mais orientada!” diz pimpolha mais velha.
“A minha filha mais orientada na técnica do ser extremamente desagradável, mal educada, agressiva verbalmente e eximia na aplicação da arte da psicologia da “manipulação” de sentimentos, lá isso és sem dúvida!” respondi.
“Uma pessoa tem que tentar… às vezes, com o pai funciona! “confessa pimpolha mais velha.
“Não vale tudo neste teu “jogo”, como estou fartinha de te dizer! Há regras… de boa educação logo para começar.” informei.
“Hummm…!” respondeu pimpolha mais velha.

“Os filhos são a melhor coisa da mundo!” dizem.
Diria que tem dias, tem horas, tem alturas, com se pode observar pelo relato cru e duro, que deixa mossa em qualquer couraça mas frágil ou menos preparada.
Aí as maravilhas da maternidade… com um rebento a poucos meses de completar a maioridade, que apesar do seu ar doce e apaziguador, (que tem e é) quando a coisa não lhe corre de feição, como ela designou ou a mostarda lhe chega ao nariz, transforma-se em algo extremamente “feroz” e que não é de agora, aos 3 anos sentenciou-me “Tu és pior que a bruxa da Branca de Neve!” e, ao longo dos anos, foi-nos brindando com muitas variantes do mesmo, cada vez mais refinadas.
Há uns anos, ao contar algumas destas fases de fera a uma amiga minha, ela olhava-me incrédula dizendo “A tua filha? Que eu conheço desde sempre? Não posso! Ela é tão tranquila, não consigo imaginá-la nesse modo que descreves! Como é que aguentas? Se a minha filha me dissesse essas coisas, acho que desatava a chorar!”. Lembro-me com frequência desta nossa conversa e continuo a aplicar a mesma técnica que lhe revelei então “Ferida no seu orgulho procura fazer-me o mesmo… coração ao alto, alguma racionalidade e frieza e é ir levando a coisa, porque eles sabem apontar e espetar a faca no sítio certo! Não vacilar, firme e hirto que nem uma barra de ferro e tentar anular o seu ataque, é sempre a minha estratégia.”
É a vida a acontecer, nem tudo é um mar de rosas como nos fazem crer muitos relatos aqui e ali e as redes sociais.
Os filhos (como todos nós) trazem consigo muitos espinhos, o importante não é evitar ou ignorá-los, pois é inevitável que ao apreciar a beleza da rosa, sentir o seu cheiro e ao podá-la  nos piquemos, é natural. O importante é perceber que a picadela é superficial, às vezes, acidental, não deixa de magoar e/ou sangrar mas sara quase imediatamente, com um beijinho no dedo, a essência está em não deixar que a ferida chegue e se entranhe no coração, é ter consciência que faz parte do processo de crescimento (o deles e o nosso). O segredo está à, e na, superfície, não é isento de dor, mas não deixa cicatriz/ressentimento a não ser no orgulho de uns e outros!

Alturas

“Stôra, é giro, vê-la assim da nossa altura!” diz-me uma aluna durante uma visita de estudo.
“Como assim? Desde ontem, não cresci, quanto muito para os lados, nem diminui!” observei entre risos.
“Não é isso! É que normalmente, nas aulas, a professora está sempre de pé e nós estamos sentados!” esclarece-me a minha aluna.
“Ora aí está uma coisa em que nunca tinha pensado… no entanto, cruzamo-nos infinitas vezes nos corredores e à entrada da escola, sempre à mesma altura!” respondi espantada.
Ao contar esta conversa à pequenada da casa, antes de revelar a resposta da minha aluna, eles adivinharam-na e ainda acrescentaram “Como é que não pensaste logo nisso? É óbvio, todos os alunos sentem isso!”
O que eu fiquei a pensar foi, com o espírito de censura, cancelamento, igualdade de todo o tipo que impera e prolifera por aí, imagino que não tardará a todos podermos estar de pé nas aulas, à mesma altura, em alturas várias. Há alturas estranhas na nossa vida!!!

Janeiro

Janeiro é o mês mais comprido do ano, parece ter mais dias do que têm juntos os dois meses que lhe seguem.
É o primeiro mês do ano mas tem ares de fim de festa.
É um mês  de rescaldo e ressacado.
É um mês frio, não faltam massas polares e de tempestades várias.
É o mês de eleição das gripes.
O mês de janeiro trouxe-me tudo atrás mencionado e mais, muito mais.
Dormir e não fazer absolutamente nada, dentro do possível (com 3 filhos e trabalhando todos os dias) para curar uma gripe e uma tosse que não me deixavam desde dezembro. Resultou!
Por iniciativa de pimpolha mais velha, começámos a vender livros (e alguma roupa para pequenada) na Vinted. A minha biblioteca é vasta e o espaço é curto, custa mas resulta e o critério que usei para decidir quais ficam e quais vão obedece mais ou menos a estes parâmetros. Uma boa experiência e a continuar. “Destralhar” é a máxima, mas entretanto já comprei 2 livros na Vinted (eheheheh).
A minha avó fez 100 anos e contente da vida marcou o compasso, liderou a “orquestra” dos “Parabéns a vocês”, atirou beijinho e, no fim, bateu palmas. “Já passei muito! Muito trabalho, alguma fominha, pouco dinheirinho, tristezas e aflições, 8 operações de saúde…e esta coisa que não me deixa falar e agora ouço muito mal, cada vez pior! É  a vida, tudo se ajeita, tudo se faz, tudo se cria! Cá estou, cheguei aos 100!” disse-me no dia do seu centésimo aniversário, esta força da natureza, de determinação, teimosia e algum mau feitio. “Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar!” de Jorge Palma assenta-lhe que nem um luva e palmas para e por isso.
Fui ao teatro com os meus alunos ver Frei Luís de Sousa, ofereceram grande resistência à ideia mas, in loco, abraçaram e apreciaram a experiência, foram 5 *. Para muitos, esta é, infelizmente, a única forma de contacto com a “cultura”. De regresso à escola, um elogio por parte do delegado de turma: “A professora está de parabéns porque nunca desistiu de nós, mas basicamente porque se preocupa! Não é a nossa DT… mas é!”. Registar para mais tarde recordar!
Nos último 3 anos, passaram cá por casa quase meia dúzia de torradeiras umas mais xpto que outros, estragaram-nas ou estragaram-se todas. Aborreci-me e comprei uma vintage, parecido com a da minha avó, e que agora se chama multipan. “O quê? É preciso virar o pão e não desliga sozinha? Estás maluca?” reclama alto e bom som pequeno do meio. “A vida não digital é tramada, não é? Não sei como sobrevivemos!” observei , o que me valeu um valente revirar de olhos. Melhor compra que podia ter feito… e a metade do preço no Freeport!
“Gosto tanto de si” murmurou uma colega minha quando passámos pelo Henrique Sá Pessoa (em pessoa) em frente ao seu “Alma”, entrando rapidamente na porta ao lado “A vida portuguesa” (mais uma loja no Chiado que está prestes a fechar portas) evitando que a minha colega abalroa-se o famoso chefe. “Vocês são piores que os meus filhos… uma vez num elevador cruzei-me com o Rui Veloso e disse-lhe “Gosto tanto de si, cresci a ouvir as suas músicas! Chico fininho… e os meus filhos a taparem a cara de vergonha e a empurrarem-me do elevador para fora. Vocês ainda são novas, eu na minha idade já não tenho vergonha, posso dizer o que quiser!”  diz-me a minha colega. Pesou-me a consciência e disse “Anda, vamos ver se ele ainda lá está para falares com ele!” observei saindo da loja. “E tu também vens?” pergunta-me ela. “Nope, mas fico aqui à tua espera!”… O chefe já tinha abandonado. “Um oportunidade perdida, é agarrá-las logo quando elas aparecem!” diz-me a minha colega cheia de experiência.
Numa das noites mais frias de janeiro, para aquecer a alma, o estômago e tudo em geral, comi ramen de tofú na cantina mais in da capital, com um grupo de colegas amigas, rimo-nos à maluca com massa e caldo a escorrer pelo queixo. Depois de tanta galhofa, subimos ao Chiado em passo apressado, algumas com os bofes de fora, para chegar a tempo de nos deslumbrarmos com mais uma magnífica encenação e representação do Diogo Infante. “Eh pá. Tenho que te abraçar. Obrigada, obrigada pela tua iniciativa. Se não fosses tu, olha o que eu tinha perdido. Isto fazia-me mesmo falta! Desafia-nos mais vezes… muitas vezes!” disse-me uma colega no final da peça.
Constipei-me… apliquei o mesmo remédio. Dormir e não mexer uma palha, para além das estritamente necessárias (e são muitas). Voltou a resultar.
Toda ranhosa, cansada, entro na última aula do dia, observando “Vamos lá ver se sobrevivemos a isto!” observei. “Mais do que isso… pelo menos aqui não é só despejar matéria, um trabalho descontraído mas sério!”  diz-me um aluno. Guardei para mim… é capaz de ter sido dos mais simples, mais bonitos e sinceros elogios que recebi!
Pimpolha mais velha reclamou forte e feio porque só vou ao teatro com as minhas colegas blábláblá. Convidei a família para ir ver a peça “Livrar-me“. Excelentíssimo Esposo observou “Hummm…. tem mesmo ar de ser daquelas peças em que eu não vou perceber nada!”. É uma peça sobre o que representam os livros na vida de quem os aprecia e não passa sem eles, os compassos que estes marcam na nossa vida e o seu papel e importância, um diálogo entre uma mãe e uma filha e entre filhas e mães leitoras. Convenci pimpolha mais velha a acompanhar-me.  “Gostastes?” perguntei-lhe no final. “Sim, sim, mas agora tenho que pensar, não sei se percebi tudo!” informou-me pimpolha mais velha. Sorri pensando “Há livros… e peças que ficam connosco uns tempos, são de assimilação lenta!”. Foi bonito, pá.
Escrevi pouco ou nada mas dediquei-me ao meu hobbie preferido: ler. Li 7 livros, todos muitos bons e grandes. Excelentíssimo Esposo diz que li demais. “Demais” um conceito desconhecido para quem tem uma ou qualquer espécie de compulsão.
No dia de anos da minha avó, li de uma penada o mais pequenos de todos os que li em janeiro, “Última Solidão” da Carmen Garcia, histórias e mágoas de velhos contados por quem os vê e trata com um humanismo e profissionalismo invejável… e se revolta em cada linha contra o infantilizar dos velhos. Tem descrição cruas e duras do mundo do lares, mas personagens e histórias maravilhosas. Gostei e recomendo, mas eu sou suspeita para falar, leio e gosto das suas crónicas no Público, embora não me reveja em todas.
Janeiro –  mês longo, cheio de ranhosices , mas repleto de pequenas coisas maravilhosas.
Na linguagem dos instas da vida, acabei de fazer um janeiro dump, usando palavras em vez de imagens, ou seja “despejei” janeiro.

Bom ano de 2024!


Entrámos no novo ano a ver os fogos de artifícios. Sem champanhe nem passas porque ninguém aprecia e é uma mau princípio começar o ano a fazer um grande sacrifico apenas porque a tradição assim o manda!
Depois daquele abraço e os beijinhos do costume, celebrámos a chegada do novo ano com uns saborosos biscoitos da sorte (quando os partimos ao meio, têm um dizer).
“You are ready to fill your head with new ideas.” foi a frase que saiu no meu biscoito da sorte.
“Olha, olha o que me calhou! Preocupado?!” disse sorrindo para Excelentíssimo Esposo.
“Hummm… O quê? Mais bricolages?” responde-me ele.
“Good news, you backed the right horse.” foi a frase que calhou a pimpolha mais nova. “Vamos ganhar o EuroDreams” vaticinou a moça, colocando a sua frase na capa do telemóvel.
“Remarkable new experiences will contribute to your zest of life.” mensagem que calhou a pequeno do meio. O moço sorriu satisfeito como quem diz “Continuação de bom tempo no canal!”.
“Efforts for a special person are unexpectetedly rewarded.” missiva para Excelentíssimo Esposo. Fazer o bem sem olhar a quem e sem esperar retorno será sempre uma boa resolução de ano novo ou em qualquer outra altura!
“A flirt excites you.” foi a mensagem de pimpolha mais velha, a última a saborear o seu biscoito da sorte, bem depois das 12 badaladas que ao lê-la colocou o seu ar de perfeita “extremamente desagradável!” e revirou os olhos. “Eheheheheh, o que é que eu disse quando te dei o 1º beijinho e abraço de 2024? «Muitos abraços e beijinhos em 2024». Eu e os biscoitos da sorte estamos alinhados, tu é que não alinhas connosco!” observei perdida de riso para a minha primogénita – moça arisca e pouca dada a abraços e beijinhos.
“Acabaste de ganhar o primeiro, e muito perfeitinho, side eye do ano de pimpolha mais velha… e foi dos fortes” informou-me Excelentíssimo Esposo.
“Um 2º beijinho do ano para fazermos as “pazes”?!” sugeri a pimpolha mais velha.
“SAI! Não te ponhas com as tuas coisas! Deixa-me em paz.” responde-me pimpolha mais velha.
Resumindo, entrámos em 2024, como saímos de 2023, bem dispostos, sempre na parvoeira… entre abraços e beijinhos e side eyes!
Bom ano!

Em dezembro logo fazemos contas

“Um frio de rachar na rua, um calor de derreter ananases cá dentro. Parece que está tudo louco! Prateleiras e prateleiras vazias… carrinho a abarrotar! Tudo a saque, parece que estamos em guerra! Por estes dias, os supermercado tornaram-se no reflexo do que se passa no mundo” foi o que me ocorreu diversas vezes quando fui ao supermercado nesta época festiva.
Vamos lá então preparar a última festa do ano… embora estes dias tenha sido sempre em festa!
“O caldo verde não pode faltar na passagem do ano!” diz-me pimpolha mais velha e ao ouvi-la, espantada e de boca aberta, volto a pensar “Os deuses estão mesmo loucos!”
Deixo-vos uma reflexão/balanço que apreciei sobre esta época festiva.
Que 2024 traga aquilo que fomos perdendo ao longo de 2023 – a esperança, nomeadamente de paz e um mundo melhor!

“O que eu gosto no Natal é o Natal ainda ser como é. Já houve tantas noites de 24 de dezembro, tantos dias 25 de dezembro, e todos eles foram feitos do que éramos nessa altura. Houve separações, nascimentos, mortes, profissões que  levaram para longe, e outras que trouxeram de novo para perto, uma dança que vai afastando e aproximando o mau e o bom. Cada ano que nos sentamos à mesa de Natal estamos a somar às muitas outras que já tivemos. Dividem-se tarefas, uns responsáveis por levar os doces, outros por ajudar com o vinho, e outros que chegam só e usufruem do que os outros estiveram a trabalhar. Os Natais que já tive foram mudando muito, porque as pessoas que eles tinham também foram mudando muito. Houve anos em que se discutiu, outros em que estava tudo bem disposto e parecia que aquela noite nunca mais ia acabar, e outros ainda em que estávamos de luto e a fazer os possíveis para que a ceia não fosse tão triste como estava destinada a ser.

Na noite de dia 24 dou por mim a contar cadeiras, a ver as caras, o quanto elas mudaram, a pensar nos que já foram, nos que agora chegam, nos que se mudaram para outras ceias, os que este ano sofreram mais, e os que tiveram um ano que os salvou. Penso nas casas onde já passei aquela noite, umas mais felizes, outras menos felizes porque a vida tem lá o caminho dela. As dinâmicas mudaram muito ao longo dos anos, umas vezes os dias 24 foram numa casa, depois passaram a ser noutra, e o dia 25 foi-se ajustando a isso tudo. O Natal é um balanço da vida que tivemos nesse ano, olhamos para a mesa e está lá a família que somos agora. Uma família é sempre um bicho em mutação, que muda a qualquer momento para qualquer lado. Os divórcios vão sorteando os sobrinhos e primos que agora têm de multiplicar o que são, para serem um bocadinho de todos. Dia 24 ao jantar são de uma família, dia 25 ao almoço são de outra, e à noite são de quem os apanhar. Presentes espalhados pelo chão, os cães a receberem festinhas pelo ano inteiro, a lareira acesa a somar calor ao que já lá está, e muita comida. Pomos sempre comida a mais na mesa da ceia, porque estamos a fazer as contas com todos os que já cá não estão, mas ainda nos aparecem. Andamos sempre à procura do Natal da nossa infância em todos os Natais.

Somos todos promessas de melhores pessoas na semana que divide o Natal da passagem de ano. Fazemos juras a nós próprios – e aos outros – de tudo o que vamos ser mas que ainda não conseguimos lá chegar; tentamos arriscar sermos melhores do que aquilo que achamos que somos, porque queremos muito acreditar em nós. Prometemos que vamos mudar muito e para melhor, e essa fé que depositamos em quem vamos ser é o que nos impede de desistir do muito que temos por fazer. Quantas passas é que já comemos sem que tenham tido o fim ao qual as tínhamos prometido? O tempo anda mais rápido quando há um marco que lhe define a fronteira. Para onde terão ido os dias todos?
Sempre que passa um ano inteiro, olhamos para trás e aflige-nos a velocidade com que passou. Ainda agora era 2023 e agora vem aí um ano novo, carregado de tantas coisas que nem suspeitamos. O que é que nos vai acontecer nas mais de três centenas de dias que estão à nossa espera? Foi tudo tão rápido, ainda há bocadinho estávamos tímidos a entrar neste ano, a ver como é que ele era, e agora já estamos a ver como é que saímos dele. A rapidez com que um ano passa está ligada às vivências desse ano. Os anos maus demoram muito a passar, como se fossem feitos de mais meses do que os outros. Neles o tempo arrasta-se lentamente até chegar finalmente ao dia 31 de Dezembro, e mesmo assim não se quer deixar passar para o lado de lá, para o lado do ano que vem. Quando um ano é bom passa depressa, estávamos tão entretidos a aproveitá-lo que nem nos demos conta que o calendário continuava a contar. Aflige-nos a passagem de ano porque por cada um que passa, é menos um que há por passar. É essa relação com o princípio e o fim que nos atormenta. Talvez se o tempo começasse no zero e depois fosse sempre a somar, sem meses iguais que nos mostram exactamente onde é que cada ano dobra a esquina. É por isso que me custa tanto a alegria que nos exigem na passagem de ano. Porque haveria eu de estar feliz de ver ir embora a sorte que tive? Como se ver anos bons a acabar merecesse champanhe e fogos de artifício. Peçam-me antes para comemorar a passagem dos anos maus, num ritual de purga pelo que queremos deixar para trás. Os bons quero que fiquem, que voltem para trás e sejam Janeiro passado outra vez. Não vou já mostrar os dentes a 2024, ainda não o conheço. Em Dezembro logo fazemos contas.”
Bruno Nogueira in Sábado

Calendário(s)

“Vou comprar hoje um calendário do advento e amanhã como os chocolates todos seguidos. É sempre assim que eu faço, mas muito mais cedo! Este ano não me compraram nenhum” diz pimpolha mais nova na antevéspera de Natal.
“Realmente, não se percebe porquê! Eheheheheh, hoje já devem estar em promoção!” observei.
“Dá um chocolate por hora na véspera de Natal!” acrescentou Excelentíssimo Esposo.
“Não dá não, porque o calendário também tem o dia 25!” informou pequeno do meio.
“Eu nem gosto desses chocolates!” remata pimpolha mais velha
Parece uma conversa de gente tonta (e é) mas revela muito sobre cada um de nós: Pimpolha mais nova – a gulosa – por ela começava qualquer refeição pela sobremesa ou fazia uma refeição só de sobremesas que nunca se sabe quando é que o mundo acaba ou quando é que os manos “roubam” a última bolacha do pacote. Eu, a prática e que procura ver o lado mais positivo da questão, neste caso tentar poupar uns trocos. Excelentíssimo Esposo sempre conciso na sua análise dos números. Pequeno do meio aquele que nos surpreende sempre com as coisa que sabe (e, às vezes, com as que não sabe). Pimpolha mais velha sempre seleta e no seu mundinho onde não há confusões nem misturas, tudo by the book (o seu).
Não houve calendário de advento nenhum, não sei se estavam em promoção nem verificámos fisicamente se tem o dia 25 ou não (mas tem), mas fica a certeza que pimpolha mais velha não gosta desses chocolates. Conclusão: a mais fiável da família na gestão de calendários vários é pimpolha mais velha.

Breves notas e breves fantasias sobre o calendário e o fim do ano

A duração da amizade não deve ser medida por um cronómetro, claro.

1.
As medições do tempo usam dois instrumentos base — cronómetro e calendário.

O cronómetro mede, quase sempre, o irrelevante; o calendário mede, por norma, o essencial.
Perto do final do ano, o cronómetro começa a acelerar em direção a um novo calendário.

2.
Não faz sentido usares um calendário para contar o tempo de uma corrida de 100 metros.

Mas imagino um louco a fazer isso. Imagino juízes malucos a medirem corridas de velocidade na natação, no atletismo e nos vários desportos olhando para o calendário como quem olha para um detetor de altas velocidades.
E, sim, tantas vezes acontece isto — medirmos ou decidirmos sobre as coisas com instrumentos inapropriados.
Um exemplo: quando se vota por instinto e não de forma racional.
Usemos o instinto para responder a uma raquetada do adversário num jogo de ténis, mas não usemos o instinto num jogo de xadrez ou numas eleições. Não dará bom resultado.
O instinto não é, de facto, um bom instrumento político para se usar numa decisão que pode ter efeito durante quatro anos.

3.
Voltemos ao calendário.

O calendário do ano seguinte impõe sempre respeito, como se fosse um oráculo por preencher.
Para os que acreditam no destino, o calendário do próximo ano já está preenchido com uma tinta que não vemos. Uma tinta divina ou naturalmente impercetível aos olhos humanos.

4.
O calendário de papel — para colar na parede —, ainda não inaugurado, faz parecer que o tempo é um espaço longo, quando o tempo não é espaço nem é longo. O tempo não é uma caminhada horizontal, mas sim uma forma de cair.

O tempo que passa é a distância que vai desde a tua queda no mundo, lá de cima, ao nascer, até lá abaixo, ao último momento. O tempo humano é vertical, de cima para baixo, não horizontal.

5.
Imagino ainda um calendário contemporâneo ajustado à velocidade de acontecimentos por dia.

Em vez de termos um calendário anual teríamos um calendário diário — preencher o dia até parecer que o dia demora um ano.

6.
Há calendários que não são feitos de papel, mas sim, por exemplo, de clima ou de terra ou do tipo de fruta que cresce nas árvores. O calendário da natureza não é tão exato como os calendários que compramos na papelaria, mas em compensação o tempo da natureza dá literalmente frutos.

7.
Os jardins da cidade são calendários da natureza que resistiram no meio do tempo urbano. Dois calendários muitas vezes dessincronizados. O dia do relógio não coincide com o dia da terra. No calendário, por vezes, assinala-se o inverno, mas o clima não concorda.

8.
E sim: a velocidade paciente da montanha, a velocidade acelerada e quase suicida de certas rosas e a velocidade ansiosa e nada tranquila dos humanos.

Dentro da própria natureza há calendários bem diferentes.
O calendário das montanhas, por exemplo, não é anual, remete para um século ou para um milénio.

9.
Imagino um outro louco, com um cronómetro de desporto, diante de uma montanha. A tentar medir o tempo que uma montanha demora a cair. Imagino que loucos sucessivos vão morrendo e sendo substituídos nessa função de, com um cronómetro nas mãos, medirem o tempo de uma montanha.

10.
Certas partes da natureza devem assinalar a passagem de 100 mil anos, tal como nós, humanos, assinalamos a passagem de um ano.

Uma certa medida de modéstia devia, pois, nascer nos arrogantes cidadãos a partir desta simples perceção. A montanha que nada entende de algoritmos ainda vai ficar por aí, quando todos os tetranetos dos atuais mestres da criação de algoritmos já tiverem falecido.
Respeito pelos mais velhos, respeito pela montanha.

11.
Se a inteligência é medida por testes de QI e pela capacidade de construção de artefactos técnicos, então não há dúvidas de que o humano está no topo da Criação. Mas se a inteligência for medida pela capacidade de resistência no tempo, a montanha é a verdadeira sapiens. Tudo o que não tenha a ver com a longevidade são truques técnicos ou intelectuais, não são o essencial.

12.
O final do ano aproxima-se. Os humanos estão excitados e impacientes. A montanha não dá por isso.

Gonçalo M. Tavares in Expresso

Feliz Natal!!!

Os nossos votos de um

Direitos de autor – desenho de pimpolha mais nova

Uma noite de consoada regada com os temperos essenciais: convívio, amor, harmonia, muitas gargalhadas e boa disposição – o verdadeiro sal da vida – e um saboroso bacalhau que não seja demasiado salgado!

@João Vaz de Carbalho

É sempre um conforto ter as nossas pessoas por perto, aquelas que nos conhecem e gostam de nós apesar de todos os nossos defeitos e manias, é um privilégio poder aproveitar e desfrutar  da sua companhia, de reavivar uma ou várias histórias ou a memória e criar novas… as tecnologias, por muito inteligentes que sejam e “conheçam” os nossos “gostos”, nada sabem sobre o que somos na realidade, nem serão elas que nos ajudarão nos tempos mais difíceis ou que celebrarão connosco as nossas conquistas!

Salvar o Natal!

A 1 de dezembro de 2000, à beira de entrarmos no novo milénio, o filme inspirado na obra “Como Grinch roubou o Natal” (livro infantil de 1957 da autoria de Dr Seuss), estreou em Portugal.
Fui ver o filme do Grinch, em meados de dezembro, com o meu primo F..
No dia que tínhamos combinado ir ver o filme, eu estava com uma valente gripe, cheia de febre.
Não podia faltar, não se pode falhar uma combinação feita com uma criança de 8 anos que tinha acabdo de perder o pai há cerca de 2 semanas.
Tomei um ben-u-ron, agasalhei-me e lá fomos os dois, por breves instantes, tentar espantar a tristeza, numa tarde fria de dezembro, fingindo alguma normalidade e que tudo voltaria a ser como antes.
“Ele chorou a ver o Rei Leão, só espero que nos aguentemos os dois a ver o Grinch!” foi o meu pensamento recorrente quando começou a sessão.
O meu primo aguentou-se bem à bronca, eu tive que limpar os olhos 2 ou 3 vezes, especialmente ao olhar para a sua carinha fechada e desolada (muito longe do eterno reguila com uma fantástica e sonora gargalhada e energia contagiante).
Lembro-me, nessa altura, de a minha avó inconsolável me dizer dezenas de vezes o ditado popular “Até dois mil chegarás, de dois mil não passarás. Meu rico filho!” e de pensar que o ditado parecia o anúncio do apocalipse e de certa forma para a minha avó terá sido, como imagino que é para quaisquer pais que perdem um filho. Nunca consigo deixar de associar as época do ano, às perdas que vamos vivenciando, a memória é uma cena marada, ou pelo menos a minha é!
Os natais nunca mais foram os mesmos e eu recusei-me religiosamente a voltar a ver o Grinch. Pancas!
As famílias multiplicam-se e, como o implacável ciclo da vida não perdoa, as ausências também vão crescendo, criam-se novas dinâmicas e um pouco da magia do nosso Natal de criança perde-se, ou se calhar somos só nós que “adultamos”… e entramos no modo de “Salvar o Natal!”, isto é, torná-lo o melhor possível com e para os nossos, guardando com carinho e saudade a vivência de outros natais em que não havia ausências!
Pequenada da casa já viu dezenas de vezes o Grinch e diz que o Natal é a sua época preferida do ano e logo a seguir os seus anos. Isto descansa-me e traz-me algum paz. Em tempos, o Natal também já foi a minha época preferida do ano, é capaz de isto também ser um ciclo em si…
Finalmente, fiz as pazes com o Grinch, ainda não voltei a ver o filme mas, por este dias (sim, faço leituras de época), li o livro (o original, em inglês).
O livro é bem mais bonito que o filme, mas eu sou suspeita!
Tem umas belas ilustrações e uma mensagem que, desconfio, se aplica na perfeição mais a 2023 do que alguma vez se aplicou na época em que foi publicada (1957)!
Recomendo esta leitura de época a miúdos e graúdos! Sim, para mim, os livros têm uma magia e um poder reconciliatório – dependem só e apenas da nossa imaginação e interpretação!
Que não me, e vos, falte a energia e a vontade de continuar a salvar o Natal pelos nossos, mas também por mim/vós!
Feliz Natal!

“Every Who down in Who-Ville
Liked Christmas a lot…
But the Grinch (…)
Did NOT!
The Grinch hated Christmas!
The Whole Christmas season!

It could be his head wasn´t screwed on just rigth.
It could be, perhaps, that his shoes were too tight.

But I think that the most likely reason of all
May have been that his heart was two sizes too small.(…)

All the Who girls and boys
Would wake bright and early.
They´d rush for their toys!
And then! Oh, the noise! Oh, the
Noise! Noise! Noise! Noise!
That´s one thing he hated! The
NOISE! NOISE! NOISE! NOISE

Then the Whos, young and old, would sit down to a feast.
And they´d feast! And they´d feast!
And they´d FEAST!
                       FEAST!
                       FEAST!
                       FEAST!

(…)
And then
They´d do something
He liked least of all! (…)
They´d sing! And they´d sing!
And they SING! SING!
SING! SING!

Grinch thought, “I must stop this whole thing!(…)
“I MUST stop this Christmas from coming!
….. But HOW?”
Then he got an idea!
An awful idea!


(….)
And he took every present! (…)
He took the Who´s feast!(…)
“They´re finding out now that no Christmas is coming!

(…)
“Then the Whos down in Who-ville will all cry BOO-HOO!
“That´s a noise,” rinned the Grinch,
“That I simply MUST hear!”
So he pause. And the Grinch put his hand to his ear.
And he di hear a soun rising over the snow.

It started in low. Then it started to grow…
But the soun wasn´t sad!
Why, this sound sounded merry! (…)


What he saw was a shocking surprise!
Every Who down in Who- ville, the tall and the small,
Was singing! Without any presents at all!
                                                        He hadn´t stopped Christmas from coming!
                                                        IT CAME! (…)

And the Grinch (…) stoof puzzling and puzzling:
“How could it be so?”
“It came without ribbons! It came without tags!
“It came without packages, boxes, or bags!”
And he puzzled three hours, till his puzzle was sore.
Then the Grinch thought of something he hadn´t before!
“Maybe Christmas” he thought,
“doesn´t come from a store.
“Maybe Christmas… perhaps… means a little bit more!”

And what hapenned then…?
Well… in who-ville they say
That the Grinch´s small heart
Grew three sizes that day!
(…)
And he brought back the toys! And the food for the feats!

O problema dos extremistas

“Os extremistas são extremistas porque são aqueles que mais se distanciam do centro. O centro vai oscilando, claro, e os extremistas vão oscilando com ele, mantendo as distâncias.
O centro, por muito que custe a quem se interessa por política, não é o centro político: é o centro humano. E o centro humano não quer saber da política.
O centro humano são as pessoas normais. É por isso que a normalidade é tão atacada. Não significa “superior” ou “correcto” ou “ideal”. Significa apenas que é a norma, que é o mais frequente: é uma designação estatística e não moral.
As pessoas normais, que são o centro, não querem saber da política porque têm mais que fazer. Querem saber de outras coisas, de muitas outras coisas, que consideram mais importantes e mais úteis.
A utilidade das preocupações é, lá está, central. Para as pessoas normais, as preocupações políticas são uma perda de tempo, porque não levam a lado nenhum.
É melhor gastar as preocupações e o tempo a tratar de coisas que se podem melhorar, de resultados mais rápidos e, sobretudo, próximos.
O centro é familiar. Também é por isso que se diz tanto mal da família. Tente juntar as duas palavras — normal e família — e esconda-se o mais depressa possível, porque dizer “uma família normal” é uma provocação imperdoável.
O centro é politicamente passivo, mas é activo em muitas outras coisas importantes: coisas humanas que provavelmente, pensando bem, são mais importantes do que a actividade política.
O centro é o “não sei/não responde” de que diz mal toda a gente, entendendo-se por “toda a gente” a minoria que é politicamente activa. É pena não se juntar também o “não quer saber”, porque corresponderia mais à verdade.
Os extremistas riem-se da ideia da maioria silenciosa, apesar de a maioria ser sempre silenciosa.
Os extremistas acham que um dia os centralistas vão dar razão aos extremistas. Isto é tão estranho que vale a pena passar uns minutos a pensar nisto.
Ou, então, não.”
Miguel Esteves Cardoso in Público

Avizinham-se tempos (ainda mais) estranhos e desconfio que não auguram nada de bom! Entre queimada ou congelada, parece que nenhuma das opções me agrada, não se percebe!
Considero os extremistas muito perigosos em qualquer campo  (político, social, guerra, etc), mas vivemos cada vez mais  por eles rodeados. Faz muita falta gente moderada, ponderada e séria cujo centro não gire à volta do dinheiro e do poder. Decisões difíceis que se avizinham para pessoas comuns centradas em não ser  apenas normais.

Escrever

“Tu podias escrever artigos sobre histórias/vivências em viagens!” diz-me, sorrindo durante o nosso almoço Natal, uma amiga, com idade para ser minha mãe, que vejo de quando em vez.
“Sou uma seca, portanto!” observo, interrompendo o meu relato sobre as nossas férias de verão na Escandinávia e o que aprendi por observação e leituras várias sobre a sua cultura e hábitos.
“Não, não! Pelo contrário, é muito interessante e curiosamente, o que me estás a dizer bate certo com o que observei durante anos de convivência com a minha cunhada sueca. Devias escrever essas tuas memórias e conclusões na 1ª pessoa” acrescenta.
“E fá-lo-ei, certamente no meu blogue, quando tiver tempo, disposição e após ter digerido bem tudo o que aprendi e vivi por lá… há coisas que precisam de maturar!” pensei sorrindo interiormente.
Não me escapou a ironia da não verbalização deste meu pensamento. O blogue é público e de acesso livre, mas nunca me apeteceu ou me pareceu fazer sentido comentar com ela que tenho um blogue, nem com ela nem com a maioria das pessoas.
“Mas tu não gostas que as pessoas te leiam? Não é por isso que escreves?” é uma pergunta que Excelentíssimo Esposo me faz com alguma frequência.
Não tenho dúvidas que toda a gente que escreve, gosta de ser lida.
Encaro a escrita com um exercício muito pessoal, libertador e revelador, uma espécie de janela para a essência da leitura que faço do meu mundo, e isso, por vezes, traz algum desconforto e vulnerabilidade na leitura que os outros fazem de nós.
Não, definitivamente não escrevo para os outros.
Escrevo quando quero e sobre o que quero, sem agendas, nem obrigações e sem grandes filtros.
Toda a gente tem uma vida super ocupada e quer lá saber das minhas leituras pessoais do mundo, que nada acrescentam à sua vivência.
Aceito e percebo isto em toda a sua plenitude, eu gosto de ler blogues e leio mais que uma dezena diariamente, como leio o jornal, porque me identifico, porque gosto, mas sei que isto é uma cena que assiste a poucos (por falta de tempo e/ou de vontade, interesse) e ainda bem que não gostamos todos de amarelo.
Não me lembro da última vez que partilhei com alguém que tenho um blogue… quem priva comigo diariamente, ouve, na 1ª pessoa, muito daquilo que por aqui vou partilhando. Se gostariam de me ler? Se calhar sim, se calhar não… guess we will never know!
Essencialmente, acho que o meu blogue não acrescenta nada, a não ser a mim e talvez aos meus. Vivo muito bem com isso e com meia dúzia de leitores fiéis e/ou esporádicos!

“Escrever é o acto de pensamento mais justo. Obriga à escolha cuidadosa das palavras, a recuperar o pensamento que estava fixado e a fazê-lo voltar a mexer-se. Muitas vezes faz com que terminemos com o resultado contrário ao que tínhamos como certo antes de escrever a primeira palavra. Escrever crónicas obriga a um pensamento constante sobre o que nos rodeia, mas o que nos rodeia nem sempre é companhia aconselhável, e pensar sobre isso pode aumentar – para o bem e para o mal – o que antes não se via. (….).
Enquanto escrevia dei por mim muitas vezes a pôr em causa o que pensava antes e a pensar sobre o que isso quereria dizer. Não cheguei a conclusão nenhuma, mas ao preparar este livro percebi que as coisas dentro da minha cabeça fazem muito barulho. Ordená-las e escrevê-las é ainda o último reduto de sanidade contra esse ruído.”
Bruno Nogueira 
in  Aqui Dentro Faz Muito Barulho

 

“(…) We all have ideas, sometimes good ones, not to mention the gift of emotional turmoil that every childhood provides. In short, the story is in us, and all we have to do is sit there and write it down.
But it’s right about there, right about when we sit down to write that story, that things fall apart.
(…)
If a person has never given writing a try, they assume that a brilliant idea is hard to come by. But really, even if it takes some digging, ideas are out there. Just open your eyes and look at the world. Writing the ideas down, it turns out, is the real trick.

(…)
Forgiveness. The ability to forgive oneself. Stop here for a few breaths and think about this because it is the key to making art, and very possibly the key to finding any semblance of happiness in life.
(…)
I believe, more than anything, that this grief of constantly having to face down our own inadequacies is what keeps people from being writers. Forgiveness, therefore, is key. I can’t write the book I want to write, but I can and will write the book I am capable of writing. Again and again throughout the course of my life I will forgive myself. (…)”
Ann Patchett  in Brain Pickings

 

Ovos republicanos

“Stôra, o que é esse ovo estrelado aí?” pergunta-me um aluno quando estávamos a analisar as informações gerais sobre o exame deste ano, acabadinhas de chegar.
“Mas qual ovo estrelado rapaz?” questionei, pensando este é que já está todo frito.
“Ali mesmo no cimo do documento que a professora está a projetar!” aponta-me o moço.

“Hummm… pois. É a primeira vez que reparo nele, desconhecia que tinha mudado mas parece-me ser a nova imagem “de marca” do governo!” respondi surpreendida pelos pormenores em que se centra a atenção dos alunos e nesta nova imagem “marca”.
“Vejam lá se não parece mesmo um ovo estrelado?” insiste o moço à procura de seguidores.
“Eh pá, agora que falas nisso! Já ia… estou cheio de fome!” diz outro rapaz.
“Um ovo estrelado com acompanhamento: legumes à esquerda e um belo bife à direita!” complementa um rapaz espirituoso.
“Só faltam as batatas fritas!” acrescenta um moça.
“E assim teríamos um bitoque!” diz a colega do lado.
“Um bela imagem mas agora calem-se que me estão a fazer fome!” diz a miúda na fila de trás.
“Stôra, está muito calada! O que acha do ovo estrelado?” pergunta-me o moço que iniciou a conversa.
“No prato, gosto muito e nem precisa de acompanhamentos!” respondi entre risos.
“Não, estava a referir-me a este ovo estrelado! O que acha?” insiste o moço.
“No comments!” rematei e prosseguimos.
Esta conversa foi em meados de outubro quando foram publicadas as primeiras informações sobre os exames nacionais de 2023/24.
Não pensei mais no assunto, nem nesta conversa curiosa com os meus alunos.
Não adotei este ovo estrelado, mas o meu aluno não deixou de falar nele sempre que o avistou nos documentos oficiais. Assim ficou, para mim, batizado o novo logótipo governamental.
A semana passada quando estalou a polémica da nova imagem do governo, ri-me sozinha pensando no famosa “ovo estrelado que deu à Costa” e o contente que o meu aluno ia ficar.
O valor pago pelo ovo estrelado – 74 000€ – não faço ideia se é muito ou pouco, nem tenho capacidade/conhecimento técnico para o avaliar, nem me parece a questão mais importante, tal como não me parece relevante a questão da identidade da bandeira nacional.
Para mim, como em muitas destas coisas, a questão principal é sempre:  “Qual foi a razão ou a necessidade para mudar o “logótipo” do governo? Por que razão o anterior deixou de “servir”?”.

“A referência matricial da nova imagem do Governo da República Portuguesa é a bandeira nacional. Nas suas cores dominantes e na sua geometria elementar são encontrados os argumentos visuais identitários que se articulam agora de forma mais sintética, diferenciada e adaptável às condições da comunicação digital.

O que se propõe não constitui o redesenho da bandeira, instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910 e devidamente consagrada na Constituição da República Portuguesa como símbolo de soberania, independência, unidade e integridade. Não interfere, portanto, com o seu estatuto, dignidade ou representatividade.

O que se apresenta no contexto desta orientação estratégica é um símbolo novo e distinto, representativo do Governo da República Portuguesa, que responde de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital e dinâmica e por uma consciência ecológica reforçada.

Nesta marca são conservadas, nas mesmas proporções e posicionamento, o verde e o vermelho da bandeira republicana. A esfera armilar é reconfigurada de forma sintética num elemento circular amarelo. Simplifica-se assim uma configuração visualmente densa, optimizando-se o desempenho em ecrã.Sendo omnipresente na administração pública, e devendo sê-lo também na comunicação pública da ação governativa, esta imagem torna-se mais operativa, ao mesmo tempo que reserva e preserva a bandeira nacional enquanto símbolo de Portugal.

Através da síntese formal, a nova imagem afirma-se também inclusiva, plural e laica”

Retirado do Manual de aplicação da identidade visual – negritos a vermelho da minha autoria.

É nas partes a negrito e a vermelho que reside a minha dúvida e confusão. Mas que raio de motivos são estes e por que razão o anterior não os respeitava? Devo ter fritado da pipoca de vez porque realmente não consigo apreciar nem vislumbrar a razão para este ovo frito que nos serviram.

O logótipo anterior (com o governo de Portugal)

O atual logótipo que celebra, o estado das coisas ou as coisas de Estado, para além, obviamente, do ovo estrelado, e assinala a República Portuguesa (das bananas ou dos, já nem sei bem)

Árvore de Natal

“É verão e estamos para ir para a piscina…Por que é que tu tens uma árvore de Natal pendurada na parede da tua sala?” perguntou-me desconfiado do alto dos seus 9 anos o meu amigo M. que só naquele dia é que lhe chamou a atenção este pequeno pormenor.
A mãe do M., minha amiga desde sempre, contendo o riso, mirou-me com aquele ar “Toma lá, descalça lá tu a bota que normalmente é a mim que ele faz estas perguntas! É com cada uma que até parecem duas.”
“Ora aí está uma boa questão, sim senhor! A razão principal é a preguiça, desde que a fizemos e pendurámos aí, nunca mais a tirámos. Habituámos-nos e gostamos de a ver aí, já faz parte da mobília e depois porque fomos acrescentando coisas à nossa árvore que não são de Natal, coisas que nos foram oferecendo, tipo borboletas, bonecos, estrelas e corações que dizem amizade, paz, amor, família, bolas com fotografias de amigos, tudo aquilo que queremos durante o ano inteiro e não só no Natal. E como se diz muito por aí o Natal é quando o Homem quiser e esta árvore lembra-nos exatamente isso. Mas olha que só ligamos as luzes da árvore no mês de dezembro.” argumentei.
“Hummmm, está ali, no cimo, uma borboleta que a minha mãe te deu. Devia ser uma estrela, mas como não é Natal, pronto, até está bem!” diz-me muito sério o M. ao mirar-nos, a mim e à sua mãe.
“Achas que ele ficou satisfeito com a minha explicação? Temi que ele me fosse perguntar a razão da borboleta no cimo. Não tinha salvação possível, teria que responder… outra vez preguiça!” observei perdida de riso.
“Deixa, ele deve ter ficado satisfeito, caso contrário já tinha disparado mais 2 ou 3 perguntas, mas até ao final do dia é melhor estares preparada. É rapaz para voltar ao assunto!” diz-me a mãe do M. e por esta altura já estávamos as duas perdidas de riso.
“Despachem-se e deixem-se dessas vossas conversas. Vamos mas é para a piscina! Vocês as duas é que me saíram cá umas borboletas!” rematou o grande M.
A 1 de dezembro, cumprindo a tradição, acendemos as luzes da nossa árvore de Natal de todo o ano  (made by us 5 years ago), com a borboleta no topo – o M. não me vai perdoar quando vir. Decorámos a casa e fizemos uma árvore de Natal tradicional, com a lareira a crepitar (no youtube) e ouvindo músicas da época.

Pimpolha mais velha quis assumir as responsabilidade da decoração da árvore e afins porque tinha visto cenas e coisas no Tik Tok. Deleguei com gosto a tarefa, nada como perceber por experiência própria, que nem tudo fica perfeito, ou é o ideal ou idílico , como por lá (a)parece. 1 – 0 (1 para mim, zero para pimpolha mais velha) que não tive que me irritar nada nem fazer qualquer tipo de aviso ou consideração, pimpolha mais velha concluiu por si.

Relativamente às prendas de Natal, quase tudo comprado, online como eu gosto e/ou no comércio local. E, sim, aproveitei a Black Firday, prendas escolhidas e preços sabidos, chegada a data basta verificar se os preços se mantém ou descem. Poupei umas dezenas de euros.
Em meados de novembro, as pimpolhas enviaram-me cada uma o seu powerpoint em forma de lista de desejos e pequeno do meio mandou-me apenas um mail, que o moço não tem tempo para fantasias, contendo a links de ideias.

Os três disseram e repetiram-me até à exaustão a seguinte recomendação “É para comprares mesmo aquilo que nós pedimos. Não é uma coisa parecida mas que tu gostas mais, como é o teu costume!”
Desta vez não tenho exatamente o mesmo problema que o pato… ou então tenho!

(Retirado daqui)

Mais uma música de Natal… a da Comercial deste ano!!!

Biblioteca(s)

Desde pequena que me lembro de ir à biblioteca com o meu pai e de ter o meu cartão de leitor.
Lembro-me, como se fosse hoje, da primeira vez que fui sozinha à biblioteca e requisitei um livro, devia ter 7 ou 8 anos e sentei-me orgulhosa a preencher a minha 1ª ficha de requisição de livros. Estava segura, já tinha visto o meu pai fazer aquilo dezenas de vezes, em meu nome e no seu.
A funcionária, que me conhecia desde pequena, deixou-me escolher a cor (havia várias) da ficha de requisição, escolhi um rosa e sentei-me muito compenetrada a preencher o impresso. Não tive dúvidas em preencher as referências dos livros, mas não sabia onde colocar a cruz se no M se no F, não fazia ideia do que aquilo significava, se fosse hoje a minha ignorância seria, provavelmente, interpretada por alguns como uma coisa muito mais complicada – uma questão de identificação de género. Logo a seguir, a ficha pedia que indicasse a minha profissão – outro completo mistério para mim. Devo ter olhado dezenas de vezes para aqueles dois campos e retorcido-me, igual número de vezes, na minha cadeira.
“Ah já preencheste os livros porque não acabas de preencher o resto?” disse a funcionária abeirando-se de mim vendo a minha hesitação e demora.
“Não sei o que é isto da profissão e do M e do F.” confessei envergonhada.
“És uma menina ou um rapaz?” perguntou-me divertida a funcionária.
“Uma menina” respondi sem hesitações.
“Então és do sexo feminino, colocas a cruz no F. Os rapazes são do sexo masculino colocam a cruz no M. A profissão é o teu trabalho, como ocupas o tempo. O que é que tu fazes?” esclareceu-me a funcionária.
“Venho à biblioteca…?!” respondi hesitante.
“Sim, mas a maior parte do tempo onde é que estás? Na escola, a estudar, sim?” diz-me rindo a funcionária.
“Sim” respondi pouco convencida e sem mexer a caneta.
“A tua profissão é estudar. És estudante!” rematou a funcionária.
Peguei na caneta com a segurança de uma criança de 2º ou 3 º ano e onde dizia profissão escrevi estudante sem perceber minimamente o que aquilo significava, mas naquela altura só queria era pegar nos meus livros e zarpar dali para fora.
No entanto, quando lá voltei, nunca mais esqueci esta lição, nem hesitei, aliás do alta da minha sabedoria ajudei algumas colegas a preencher a ficha quando tiveram as mesmas dúvidas que eu. Não as tentei convencer disse apenas “Foi assim que ela me ensinou. Escreve só, é assim!”. As coisas eram simples na altura, não havia tantas perguntas nem deambulações.
No 2º e 3º ciclo, era um lugar privilegiado para as pesquisas e os trabalhos de grupo, em grandes calhamaços e enciclopédias que não podiam ser requisitados, só consultados in loco. Às vezes, “acidentalmente” deixávamos cair um dos calhamaços em cima da mesa e fazia um estardalhaço medonho que ecoava por toda a sala, num sítio onde imperava o silêncio e era só gente séria e trabalhadora, lá vinham as pequenas estudantes, que não sabia que o eram, perturbar a ordem e paz. A nossa risota, os “Xiuuuuuuu” e “Silêncio” e os passos do funcionário na nossa direção, seguido das advertências, eram reações imediatas ao estrondo.
Lembro-me perfeitamente das 3 salas desta biblioteca “antiga” onde passei bons momentos de leitura e divertimentos vários.
A minha entrada no ensino secundário coincidiu com a abertura da “nova” biblioteca. Estava um pouco apreensiva, mas passou-me num ápice,  toda catita, moderna, arcos e paredes a imitar o antigo, cheia de vidros, com sofás, cd´s, filmes e livros (muitos livros) e um bar.
Das antigas 3 salas, passámos a ter 3 pisos e 4 grandes salas e, não sei se já disse, sofás, também no espaço exterior que dava para os bonitos claustros e jardim interior.
Esta nova biblioteca passou a ser um ponto de encontro para muitos dos jovens da minha idade, era um sítio bonito, moderno, acolhedor e a novidade da terra. Algo que vimos nascer e decidimos abraçar como nosso. Muitas das minhas tardes de 6ª feira, no secundário, tinham como ponto de encontro a biblioteca para levar os filmes, CD´s e filmes requisitados na semana anterior, escolher os para a semana seguinte e conviver.
As famosas Brumas de Avalon e os outros livros da Marion Zimmer Bradley, os livros da Isabel Allende, do Gonzalo Torrente Ballester, do Garcia Marquez, do Luis Sepulveda, do Konsalik e toda uma outra imensidão de livros, nomeadamente muitos policiais, li graças à biblioteca e algumas recomendações que por lá recolhi.
Com a pequenada, sócios desde tenra idade, também passámos várias manhãs de férias ou de sábado entre os livros e histórias, nomeadamente do Planeta Tangerina,  desta minha biblioteca. Pequenada nem sabe o que é uma ficha de requisição de livros, nunca tiveram que preencher uma, é só passar o cartão e os códigos de barras e está feito, mas sabem o que é algo que eu nunca tive oportunidade de experienciar, dormir na biblioteca e “Sonhar com os livros”.
A minha biblioteca está de parabéns, fez 30 anos no dia 26 de novembro e sempre que lá vou, agora mais sozinha do que acompanhada, tenho aquela sensação de bem estar, conforto que tinha em adolescente, é um sítio onde me sinto aconchegada e que me traz muitas e boas memórias, onde posso estar 5 minutos ou horas, onde continuo a encontrar e a rever muitas cara conhecidas e a dar 2 ou 3 dedos de conversa, apesar de já não ter bar, continua a ter sofás.
As bibliotecas foram, em tempos sem internet e afins, um bem mais que essencial e uma espécie de elevador social para quem não tinha acesso a livros (ou a tantos como desejaria).  Era na biblioteca que, ao final do dia, podia encontrar, invariavelmente, um dos melhores alunos da minha turma – rapaz tímido, muito inteligente, de origens bastante humildes, com vários irmãos, que morava a quase 1 hora da escola de autocarro, saindo de casa de madrugada (bem mais cedo do que eu me levantava) e regressando perto da hora de jantar. Tinha uma mesa de eleição numa das salas da biblioteca e, e ainda hoje, quando lá entro é para lá que olho em 1º lugar. Era na biblioteca que fazia os TPC, estudava e lia coisas várias, às vezes, avulso, era um moço curiosos em vários sentidos. A biblioteca era o sítio que o acolhia na longa espera pelo autocarro que o levava de volta a casa, era um dos seus sítios de eleição para exercer a sua profissão: estudante. Perdi-lhe o rastro depois da faculdade, espero que a vida lhe tenha sorrido, ele mais do que muitos de nós, merecia, era um lutador desde tenra idade.
As bibliotecas  ainda são uma mais valia  e um ponto de encontro de saberes, embora a nova geração (e não só) ainda não o (re)conheça com tal, ou melhor dizendo, não o reconhece da mesma forma e não lhe dá a mesma importância.

(Imagens retiradas da internet)

Um artigo interessante de Miguel Esteves Cardoso sobre bibliotecas e os seus frequentadores:
“A biblioteca de 2023
Entro na biblioteca de um museu, tiro três livros e encontro um lugar para me sentar. Vou olhando à minha volta. É a primeira vez que lá vou. Reparo que ninguém está a ler livros. Só uma das mesas tem um livro em cima, mas continua intacto.
Parece impossível estar tanta gente numa boa biblioteca, rodeada por livros apetitosos, sem ninguém ir às prateleiras. Parece impossível estarem tão ocupados com os portáteis e com os telemóveis, sem haver um único livro aberto em cima de uma mesa, fora na minha.
Parece impossível haver tão poucos cadernos e tão poucas canetas. Só uma pessoa está a tomar apontamentos, mas muito breves. Será que já não se tomam apontamentos?
Também não estão a escrever nos teclados.
Será que tudo mudou?
Mas depois o “parece impossível” desvanece-se à medida que vou absorvendo a atmosfera. Está-se bem aqui. Ajuda-me a ler, a tomar apontamentos, a sentir-me acompanhado. Conheço esta sensação: é a sensação de estar enclausurado na protecção de uma boa biblioteca, ladeado por outros estudantes, todos escondidos como eu.
Afinal não interessam os livros: estão todos a ler. Os portáteis agora são os livros. E os telemóveis são os diários, onde apontam e recebem as intimidades. Os leitores vão ao telemóvel, quando querem fazer um intervalo: os telemóveis são os novos cigarros.
Não terá sido assim nas bibliotecas antes da invenção dos livros? Que interessam os objectos onde se lê? O que interessa é a leitura: aquela absorção, aquela dependência, aquele viajar. Por isso é que a atmosfera é boa. Não é um café decorado com livros.
Ninguém está à espera de ninguém: está toda a gente ocupada, participando no sossego.
Nós temos as cabeças cheias de macacos – e cada macaco insiste que é estranho que os outros não sejam como nós, e que os tempos de agora não sejam como os de antigamente.
Mas são.”
Miguel Esteves Cardoso in Público

Brancos

“A Stôra tem que ir pintar o cabelo!” diz-me um aluno às 8h00 da manhã quando ainda não entrámos na sala. É bom miúdo, ingénuo e sem filtros.
“Então porquê?” pergunto-lhe, não contendo o riso, face ao ar estupefacto de duas colega suas que assistem a esta nossa conversa matinal.
“Porque já se nota que têm aí uns brancos!” esclarece-me inocentemente o moço.
“E qual é o problema?” questionei-o.
“Também não sei… mas é o que toda a gente faz!” diz-me inocentemente o rapaz.
“Vivo bem com os meus cabelos brancos, não me incomodam. Isso é o mais importante, que a pessoa se sinta bem com o que é ou como é. Não há muita gente nova a fazer um nevou? Eu inclino-me para uma nevou natural, mas sem pressas!” observei, sorrindo relembrando várias conversas sobre a mesma temática mas com outras personagens.
“Tenho que contar esta à pequenada. Vão adorar a confirmação do que me dizem centenas de vezes” pensei ao iniciar a aula.
Curiosamente, tiveram uma reação diferente do que eu esperava e não se centraram na mensagem que pensava que os ia interessar.
“Mas quem, quem é que foi o parvo que te disse isso?” pergunta-me pimpolha mais velha.
“Abusadão!” observa pequeno do meio.
“Pensei que iam gostar de saber esta história para confirmarem aquela vossa teoria, a de que eu gosto sempre de ser diferente das outras pessoas. Não é sempre o que me estão a dizer?” observei surpreendida pela sua indignação.
“Não o puseste na rua?” pergunta pimpolha mais nova.
“Ainda não tínhamos entrado na aula, mas se tivéssemos por que razão o havia de colocar na rua? Ele não disse aquilo para me ofender ou magoar. Aliás conhecendo-o, pareceu-me que a sua intenção era exatamente o contrário. De qualquer forma, é verdade que os meus cabelos brancos já se notam.” esclareci.
“Hummm… tu és mesmo estranha!” foi a conclusão da pequenada.
“Certo, nada de novo! Só estranha ou assim um estranho diferenciado?” questionei utilizando um vocábulo que pimpolha mais velha adora e usa amiúde.
“Já estás a abusar!” avisou-me pimpolha mais velha
Esta conversa  do meu aluno trouxe-me à memória um almoço num dia quente de verão com a minha madrinha (idade da minha mãe) e uma sua amiga (poucos anos mais velha que eu). A sua amiga sempre muito composta e sem cabelo nenhum fora do sítio (o oposto de mim portanto), não me via há uns anos e quando me observou chegar disse-me “Continuas a parecer uma miúda, mas já se notam os cabelos brancos. Tens que ir tratar disso!” ao que eu, sem pensar, respondi “É o que é. é abraçar e aceitar que dói menos, inclusivamente à carteira!”. A amiga da minha madrinha abandonou mais cedo porque tinha uma consulta médica e a minha madrinha observou “Foste muito incisiva na tua aceitação dos cabelos brancos. Naquele momento deixaste-a sem reação, sem palavras, diria mesmo, abismada, fizeste-me lembrar muito a tua mãe, em tudo, mas especialmente no desassombro. Sabes, a minha amiga não está a lidar bem com os cabelos brancos e as mudanças no corpo e na mente que a idade traz. Acho que a surpreendeste! Não te conhece”.
Nesta conversa da minha madrinha fixei-me estupidamente nesta palavra – desassombro – do verbo desassombrar que significa desembaraçar do que faz sombra. = ACLARARCLAREARILUMINAR. Sorri, interiormente, pensando que não haveria termos mais adequado na temática dos cabelos brancos. Eu sei, eu sei, não só tenho cabelo brancos ou desassombrados como sou uma pessoas muito estranha. A sorte é que aceito e (con)vivo bem com ambos, o que aparentemente espanta/perturba algumas pessoas… não me conhecem, nem há minha mãe!!!

 

É 2ª feira (outra vez)

A banda sonora que ilustra na perfeições esta e muitas outras 2ª feira (3ª, 4ª e seguintes).
A letra é fenomenal e capta na perfeição o sentimento (ou pelo menos o meu).
Para ouvir com atenção a letra e dançar para aliviar.
Cá por mim acho que  já estou na fase surreal Dali, mas soma e segue, vamos lá apanhar e colar os caquinhos. na esperança de não ter perdido nenhum essencial, que amanhã é outro dia!

Eu sei que hoje está difícil
E só queres sumir do mundo
Comer baldes de gelado
E entrar em coma profundo
Que estás farta das humilhações
Do fracasso das relações
De conselhos e sugestões
Bom senso e boas intenções

Do corpo, do desporto
Do teu saldo, do teu salto
Porque o saldo é sempre baixo
E o teu salto é muito alto!
Tu estás farta dos emails
E dos grupos do WhatsApp
Dos chatos do chat
Do teu chefe e toda a internet!

Tu tás farta de segundas
E de terças e de quartas
E de quintas e de sextas
Até das folgas te fartas!

Porque há brunch e sumos detox
Laser e botox
Porque há secas
E dietas e profetas e blogs

E estás farta do bom gosto
Do suposto, do imposto
Tu estás farta do bom moço
E do desgosto bem disposto

Tu estás farta
Farta, farta até de ti
Mas bora colar os caquinhos
E fazer um Gaudí!

Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí!
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí
Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí!

Eu sei que estás de TPM
Com fome, mal dormida
Que estás farta da rotina
E dizes mal da tua vida!

Sem pachorra para nada
Para a nata, para a night
Para a make, para o date
Para o face, para o hype
Para o lifestyle, livestream
Live fast, live the dream

Gente snob, pseudostar
Do indie ao mainstream
Farta do excesso
Do processo e da prece
Do sexo dos anjos
Dos anos de stress
Da falta de tempo
De falar do tempo
Tudo ao mesmo tempo
Sem tempo pra ti!

Da falta de jeito
De ficar sem jeito
E de não haver jeito de saíres daí!
Farta de clichês
De guichês
De porquês
Farta de tirar a senha
E esperar pelo fim do mês!

Estás de coração partido
Ego ferido, já vi
Mas bora colar os caquinhos
E fazer um Gaudí!

Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí!
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí
Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí!

Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí!
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí
Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí!

Bora, bo bora
Bora fazer um Gaudí
Bora, bo bora
Bora fazer um Gaudí
Bora, bo bora
Bora fazer um Gaudí
Ga ga ga ga ga ga Gaudí

Sei que estás pelos cabelos
Da DR, do divã
De falar de problemas
E dos planos para amanhã
Farta de ser pró ou contra
Anti ou semi
Bora aceitar a idecisão
E escolher o melhor pra ti

Sem pena, nem dilema
Ter orgulho no BI
Há que aceitar a imperfeição
Pra ser melhor versão de si
Iguana cada escama é drama que passou por ti
E se este mundo é surreal
Bora fazer um Dalí!

Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí!
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí

E se este mundo é surreal
Bora fazer um Dalí
Fazer um Dalí
Bora fazer um Dalí!

Eu vou colar esses caquinhos
E fazer um Gaudí!
Fazer um Gaudí
Bora fazer um Gaudí

E se este mundo é surreal
Bora fazer um Dalí
Fazer um Dalí
Bora fazer um Dalí!

 

Os próximos “cartoons” ilustram esta e outras 2ª feira (e 3ª, 4ª, …) que contribuem para a necessidade de colar os caquinhos e fazer um Gaudi (aí os projetos que demoram anos e anos) e deixar o Dali para mais tarde.

1- Dramas de quem tem a sorte de nascer num país em paz e numa família onde não falta o pão na mesa.

2- O eterno debate e dilema das tarefas que leva qualquer um à loucura

3 – Assombrações e berrarias ~constantes (logo pela manhã ou sempre que não se concorda ou contraria)

4 – Somos sempre a exceção à regra

Cartoons retirados daqui

Produtos(s)

Em 2004, começou a “dar nas vistas” no blogues.
Fez-se político na sequência dos blogues.
Citando o próprio – “Se não tivesse participado nos blogues nunca teria sido convidado [por José Sócrates] para as listas do PS. A minha persona pública existe, em grande parte, devido aos blogues.”
Conheceu a esposa num encontro de bloguers.
Segundo o próprio “Conheci-a numa festa de bloguers. Foi-me apresentada por uma amiga comum. Tinha lido coisas dela. Foi um acaso, como grande parte dos encontros são.”
Galamba um produto dos blogues, numa altura em que os blogues eram importantes no panorama político e não só.
A sua esposa é uma pessoa de direita e ele sempre alinhou mais à esquerda (diria que tipo zero)…
Todas estas informações e muito mais, numa interessante entrevista de 2010, de Anabela Mota Ribeiro ao jovem Galamba, “filho de abril”, delfim de Sócrates, e que, como tal, soube aproveitar as oportunidades que a vida e afins lhe proporcionaram. Quem o “lê nesta entrevista”, em 2010, “não o leva preso”, aguardemos pelo desfecho, para constatar se a expressão se aplicará no sentido literal, pois no figurado foi condenado há muito.
De polémica em polémica, “após profunda reflexão pessoal e familiar”, João Galamba apresentou, finalmente, a sua demissão.
Não sei se a esposa de Galamba é uma mulher às direitas, tem uma nomeação no Ministério da Finança que parece que afinal foi um mobilidade, mas foi uma visionária, a ver pelos últimos posts do seu blogue (publicados em 2014 do futuro de seu esposo Galamba.
Num exercício de retrospetiva e análise, vejamos, o seu último post intitula-se solha, onde discorre sucintamente sobre vinganças rebuscadas (ou busca(da)s ordenadas ao SIS), atos velados (ameaças e declarações) e distribuir solha à farta  – o seu marido leva esta máxima a sério, em 2023, quando prometeu 2 socos ao seu adjunto e todo o circo envolvente. 

 

O seu penúltimo post intitula-se “Melancolia on Steroids”, o conteúdo aplica-se na íntegra ao momento que vive o seu esposo, mudaria apenas o título para “Melancolia com Haxixe”. Não é crime mas é ilegal, acho que define bem os feitos do dito cujo.

A cereja no topo do bolo, uma ótima súmula e a prova que a mulher de Galamba, formada em direito, conhece e percebe as regras das operações nomeadamente a do produto. Resta saber se as aplica bem em causa própria. Não tenho dúvidas que esta sua regra se aplica na perfeição ao “seu produto”.

Quando as nossas palavaras nos mordem os calcanhares uns bons anos mais tarde, também devo ser apanhada na curva aqui neste estaminé, se alguém se desse ao trabalho! Só não corre o risco, quem não escreve, regista ou publica.