Espinhos
“Tens que ir buscar os meus livros!”
“Tens que ir tratar do meu passe.”
“Tens que ir à secretaria pedir a declaração de matrícula.”
“Tens que me ir levar à escola. Está frio, está a chover, está calor…”
“Tens que…” é assim que a pequenada atira e chuta para canto (que somos nós), sempre lhe que dá jeito ou não lhes apetece, cenas e coisas da sua responsabilidades e/ou do seu interesse.
A minha resposta ao “Tens que…” da pequenada é invariavelmente impiedosa e do género “Põe os pés ao caminho e trata da TUA vida, o interesse é teu.”.
Regra geral, não mexo uma palha nesse sentido, a não ser que verdadeiramente se justifique.
Excelentíssimo Esposo alinha mais com estes seus caprichos e eles, macacos como são, cobram-lhe precisamente isso, o que me deixa piursa!
“Tu não digas nada, eu estou a falar com o pai. Não vais à escola todos os dias? Não vês aquelas espécies que por lá andam? E ainda vens para aqui ralhar comigo?” disse-me pimpolha mais velha na sua tentativa mais recente de “ludibriar” Excelentíssimo Esposo.
“É exatamente por saber, mas não só, que a resposta é NÃO! A minha e a do pai!” respondi sem hesitações.
“Eh pá… não tens que ir para a escola?! Vai-te embora, isto é sempre melhor quando tu não estás em casa!” rematou pimpolha mais velha entrando no seu modo extremamente desagradável, ativado sempre que a coisa não funciona como ela quer.
“É, não é? Aguenta-te, é a vida e eu não vou a lado nenhum!” respondi calmamente.
“MORRE!” acrescenta pimpolha mais velha, como está na moda nos tik tok da vida e entre os jovens, expressão que os três aplicam sempre que a coisa destrambelha.
“É o que nos espera a todos, se for hoje ou amanhã que não te pese na consciência, mas tenho esperança de, quando isso acontecer, já não te fazer TANTA falta!” colmatei.
“ODEIO-TE!” diz-me pimpolha mais velha cheia de raiva.
“Também gosto muito de ti, por mim e por ti!” digo-lhe.
“GRRRRRR… tu só me estragas a vida!” acrescenta a moça.
“A vida, não! Os planos, os teus planos! São coisas diferentes, bem diferente, não te baralhes!” disse.
“Não se consegue conversar contigo! Tu és impossível!” conclui pimpolha mais velha.
“Sim, sim. Já me disseste… várias vezes!” observei.
“Vês? Vês, com tu és? E logo para a tua primogénita, a tua filha mais orientada!” diz pimpolha mais velha.
“A minha filha mais orientada na técnica do ser extremamente desagradável, mal educada, agressiva verbalmente e eximia na aplicação da arte da psicologia da “manipulação” de sentimentos, lá isso és sem dúvida!” respondi.
“Uma pessoa tem que tentar… às vezes, com o pai funciona! “confessa pimpolha mais velha.
“Não vale tudo neste teu “jogo”, como estou fartinha de te dizer! Há regras… de boa educação logo para começar.” informei.
“Hummm…!” respondeu pimpolha mais velha.
“Os filhos são a melhor coisa da mundo!” dizem.
Diria que tem dias, tem horas, tem alturas, com se pode observar pelo relato cru e duro, que deixa mossa em qualquer couraça mas frágil ou menos preparada.
Aí as maravilhas da maternidade… com um rebento a poucos meses de completar a maioridade, que apesar do seu ar doce e apaziguador, (que tem e é) quando a coisa não lhe corre de feição, como ela designou ou a mostarda lhe chega ao nariz, transforma-se em algo extremamente “feroz” e que não é de agora, aos 3 anos sentenciou-me “Tu és pior que a bruxa da Branca de Neve!” e, ao longo dos anos, foi-nos brindando com muitas variantes do mesmo, cada vez mais refinadas.
Há uns anos, ao contar algumas destas fases de fera a uma amiga minha, ela olhava-me incrédula dizendo “A tua filha? Que eu conheço desde sempre? Não posso! Ela é tão tranquila, não consigo imaginá-la nesse modo que descreves! Como é que aguentas? Se a minha filha me dissesse essas coisas, acho que desatava a chorar!”. Lembro-me com frequência desta nossa conversa e continuo a aplicar a mesma técnica que lhe revelei então “Ferida no seu orgulho procura fazer-me o mesmo… coração ao alto, alguma racionalidade e frieza e é ir levando a coisa, porque eles sabem apontar e espetar a faca no sítio certo! Não vacilar, firme e hirto que nem uma barra de ferro e tentar anular o seu ataque, é sempre a minha estratégia.”
É a vida a acontecer, nem tudo é um mar de rosas como nos fazem crer muitos relatos aqui e ali e as redes sociais.
Os filhos (como todos nós) trazem consigo muitos espinhos, o importante não é evitar ou ignorá-los, pois é inevitável que ao apreciar a beleza da rosa, sentir o seu cheiro e ao podá-la nos piquemos, é natural. O importante é perceber que a picadela é superficial, às vezes, acidental, não deixa de magoar e/ou sangrar mas sara quase imediatamente, com um beijinho no dedo, a essência está em não deixar que a ferida chegue e se entranhe no coração, é ter consciência que faz parte do processo de crescimento (o deles e o nosso). O segredo está à, e na, superfície, não é isento de dor, mas não deixa cicatriz/ressentimento a não ser no orgulho de uns e outros!